Clipagens

Tributação indireta e regressiva



Submeto à leitura de quem interesse a monografia que escrevi na graduação, em 2011. Faço apenas um pequeno preâmbulo antes de copiá-la aqui.

Muita coisa precisaria ser atualizada. Utilizei como base pra a monografia dados do IPEA de 2008, portanto, temos 10 anos de potencial desatualização. Ou será mesmo?

Será que o Brasil evoluiu de lá para cá?

Esse artigo da Carta Capital traz menções a estudos extremamente detalhados sobre o tema da desigualdade de renda: https://www.cartacapital.com.br/economia/brasil-um-dos-paises-mais-desiguais-do-mundo

Não tenho costume de ler essa revista e, a quem pergunto, me dizem que é tendenciosa de esquerda. Entretanto, o artigo faz sentido, está bem escrito e traz dados fidedignos, então vou dar crédito pelo menos a essa matéria.

Infelizmente os dados são estarrecedores: demonstram que minhas esperanças de uma tributação mais justa para o Brasil foram pro beleléu. O aumento da desigualdade é indício disso.

Claro, o problema é bem mais complexo que a tributação, pura e simplesmente, mas é evidente que o sistema tributário tem importante carga de influência sobre a questão.

Com exceção de uma ou duas medidas que buscaram desonerar a carga tributária sobre a cesta básica (lei 12.839/2013 - https://www2.câmara.leg.br/legin/fed/lei/2013/lei-12839-9-julho-2013-776466-publicacaooriginal-14038...), pouco foi feito para mudar o quadro.

Essas evoluções, portanto, são tímidas.

Todo mundo que ganha à partir de 4.664,68 (quatro mil, seiscentos e sessenta e quatro reais e sessenta e oito centavos) paga a mesma alíquota. Agora pense nas pessoas que ganham 10 mil, 20 mil, ou até mesmo mais de 100 mil reais mensais? Isso, de imposto direto, que é o IR.

Além disso, quem tem uma boa noção de reorganização societária sabe que a elisão fiscal está aí e os hiper ricos raramente pagam esse percentual. Basta colocar o dinheiro e os bens em uma "holding familiar", criar uma ou duas outras empresas de fachada e está tudo certo.

Mas chega de blablablá, vamos ao tete a tete:

Texto originalmente publicado com o título REGRESSIVIDADE DA TRIBUTAÇÃO INDIRETA na forma de Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito complementar para obtenção do grau de Bacharel em Direito, das Faculdades Integradas Barros Melo (AESO), sob a orientação do Professor Roberto Albuquerque.

1 INTRODUÇÃO
A carga tributária no Brasil, além de alta, é distribuída entre os contribuintes sem a devida atenção aos princípios tributários pátrios. Este fato termina por causar uma tributação injusta, baseada na arrecadação indiscriminada, que termina onerando quem de fato não detém capacidade econômica, quanto mais contributiva.

A regressividade da tributação indireta é assunto a ser tratado com extrema cautela, isto porque tangencia assuntos delicados, como a própria capacidade contributiva, que engloba os conceitos de mínimo vital e vedação ao confisco, abarca também a limitação do poder de tributar, políticas econômicas, dentre outros tortuosos e espinhosos caminhos, como será demonstrado em momento oportuno ao longo deste trabalho.

O Brasil é um país que não tributa tanto a renda diretamente, como é feito em países como França e Alemanha, no entanto, agrega tributos por toda a cadeia de consumo, tornando a tributação mascarada, mas não menos perversa e alta.

A esta tributação sobre os bens de consumo, se dá o nome de tributação indireta, posto que o contribuinte de direito difere do contribuinte de fato, que arca (senão com todo) com grande parte do ônus tributário decorrente destes tributos.

A tributação sobre bens básicos de consumo, deságua na tributação indireta das pessoas que apresentam pouquíssima ou nenhuma capacidade contributiva, sendo isto uma afronta aos princípios basilares da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Isto, porque a tributação sobre bens de insumo básicos acarreta na tributação regressiva, esta, incoerente com o princípio da proporcionalidade.

Este fato dota-se de incoerência frente aos princípios tributários e constitucionais tributários, porquanto não há a possibilidade de justiça tributária quando se cobra mais de hipossuficientes e menos dos que demonstram maior renda.

O conceito de justiça, por ser demasiado amplo e controverso, não será alvo deste estudo pois a justiça não é um conceito único e invariável a toda humanidade. No entanto, um conceito de justiça tributária objetiva (ou positiva) pode ser alcançado simplesmente utilizando-se da inteligência básica dos princípios já referidos e das normas de direito tributário pátrios.

Um dos caminhos que levam a justiça tributária poderia ser a aplicabilidade da progressividade, ou mesmo da proporcionalidade tributária, mas muito dificilmente a regressividade.

Deste modo, tendo estes breves conceitos em mente, passemos à análise profunda dos temas que serão importantes e sempre voltarão a ser lembrados ao longo de todo o estudo, quais são a explanação de como é constituído o sistema tributário nacional, a análise cuidadosa sobre a atual interpretação do que se consideram princípios e regras, bem como o estudo dos princípios tributários e constitucionais tributários pertinentes ao estudo, para podermos então adentrar propriamente ao assunto da tributação indireta e regressiva, explicando os conceitos e verificando os impactos desta realidade no Brasil.

2 DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
2.1 Conceito de sistema tributário
Seguindo a ordem lógica, para entender o conceito de sistema tributário, seria muito útil antes verificar o conceito de sistema. Assim, é interessante observar o que Roque Antônio Carrazza1, citando Geraldo Ataliba, explica:

O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior.
A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema.
Tratar primeiramente do sistema tributário nacional em contraponto a iniciar o estudo sobre os tributos em si, parece imprescindível após ler o que ensina Eduardo Marcial Ferreira Jardim2: “Com efeito, o significado de uma norma, a dimensão do seu conteúdo e do seu alcance e, bem assim, o seu aspecto de legalidade ou ilegalidade somente podem ser revelados por meio da interpretação sistemática do direito”.

Deste modo, o entendimento do sistema tributário como um todo é fundamental para não ocorrerem erros interpretativos da norma por parte dos juristas.

Assim, sistema tributário, no dizer de José Afonso Da Silva3 é o “[...] conjunto dos tributos existentes em um Estado, considerado seja nas suas recíprocas relações, seja quanto aos efeitos globalmente produzidos sobre a vida econômica e social”. Parecendo completar este raciocínio, Kiyoshi Harada4, explica que o sistema tributário nacional é o conjunto harmônico de normas tributárias, obedientes aos princípios constitucionais fundamentais.

Nesta linha de pensamento, seguir-se-á explanando primeiramente o conceito de princípios, após isto, os princípios constitucionais que são pertinentes ao presente estudo, e em seguida, os princípios constitucionais tributários específicos que moldam o sistema tributário nacional.

Realizar-se-á também uma análise sobre a progressividade, mais precisamente sobre a polêmica questão da natureza jurídica desta norma. Seria a progressividade princípio ou regra? Se tentará também responder este questionamento, dando-se a devida importância ao que for de fato relevante para o estudo.

2.2 Princípios
Neste tópico, se dará procedimento à explicação do conceito de princípios, procurando sempre respaldo em Humberto Ávila5, para o qual:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Este conceito surge após 3 critérios de distinção que o autor faz quanto a regras e princípios, são eles: 1) o critério da natureza do comportamento prescrito, 2) o critério da natureza da justificação exigida e 3) o critério da medida de contribuição para a decisão. É importante entender estes critérios de distinção para poder melhor compreender o conceito descrito acima, pois é de grande profundidade, de utilidade técnica e de pertinência ao presente estudo.

O primeiro critério de dissociação se daria porquanto o autor entende serem as regras “normas imediatamente descritivas” (e também mediatamente finalísticas), enquanto “os princípios são normas imediatamente finalísticas” (alem de mediatamente descritivas), pois as regras exigiriam uma conduta ou comportamento direto (o como deve ser feito) e os princípios fariam uma “determinação da realização de um fim juridicamente relevante” (o que deve ser feito).

O segundo critério dita que “regras são normas com caráter primariamente retrospectivo e os princípios, normas com caráter primariamente prospectivo”. De acordo com este segundo juízo, “[...] as regras possuem, em vez de um elemento finalístico, um elemento descritivo. Sendo facilmente demonstrável a correspondência, o ônus argumentativo é menor, na medida em que a descrição normativa serve, por si só, como justificação”. Enquanto isso, os princípios caracterizam-se “na medida em que impõem a busca ou a preservação de um estado ideal de coisas”, terminando por prescrever a “adoção de comportamentos necessários à sua realização, mesmo sem a descrição dianteira desses comportamentos”, por isso são prospectivos.

O terceiro critério encara os princípios como normas “primariamente complementares e preliminarmente parciais” segundo o autor, “não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão”. Já as regras pretendem solucionar conflitos especificamente, colidindo as razões, por isso são “preliminarmente decisivas e abarcantes”, visto que, caso haja razão que vá de encontro a outra, a própria regra descreveria no seu texto esta condição, com pouca ou quase nenhuma abertura de possibilidade sobre a deliberação do intimo do interpretador no determinado caso.

Assim, tendo isto em mente, passa-se agora ao estudo dos princípios em espécie, como prometido anteriormente.

2.3 Princípios constitucionais
Os princípios constitucionais, para Carrazza6, “[...] demandam estrita observância, até porque, tendo amplitude maior, sua desobediência acarreta consequências muito mais danosas ao sistema jurídico que o descumprimento de uma simples regra, ainda que constitucional”.

Seguindo esta linha de raciocínio, dentre os muitos princípios constitucionais, ir-se-á determinar os mais pertinentes ao desenvolvimento deste estudo, quais sejam o da dignidade da pessoa humana, o da legalidade e o da igualdade. Não que os demais princípios devam ser ignorados, ressalte-se que a constituição deve ser interpretada teleologicamente, como um todo, onde as normas interagem e servem aos seus sujeitos em unissonismo. A eleição destes três princípios em especial se deu porque há relação direta deles com a regressividade desencadeada pela tributação indireta no sistema tributário nacional. Assim, procede-se ao estudo de cada um destes princípios e sua relação com o fenômeno em questão.

2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
A Constituição Federal Brasileira de 1988 logo em seu inciso primeiro, considera a dignidade da pessoa humana um de seus princípios fundamentais. Portanto, é de bom senso admitir que o direito tributário no país seja regido observando-se tal preceito, promovendo uma tributação razoável, seja (por exemplo) por meio da obediência ao princípio do não-confisco, seja na não tributação dos menos favorecidos, seja em todos os demais casos onde se aplique o sistema de normas tributárias que influam direta ou indiretamente sobre o patrimônio mínimo dos sujeitos do ordenamento jurídico.

Além disso, Humberto Ávila7 ressalta a importância deste princípio, considerando-o “sobreprincípio”, quais são os que exercem “função rearticuladora, já que eles permitem a interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado” .

A declaração universal dos direitos humanos, em seu artigo XXIII expressa:

Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
Portanto, tributar pessoas que sequer têm a remuneração satisfatória que é descrita no verbo do artigo seria afronta a um dos mais básicos direitos humanos, sem os quais, não há que se falar em dignidade da pessoa humana.

O Brasil tenta obedecer a este princípio, razão pela qual instituiu-se a progressividade na tributação do imposto de renda, evitando que pessoas com menor capacidade econômica arquem com gastos que poderiam comprometer inclusive sua sobrevivência. No IPTU, o ordenamento faz com que os que vivem em imóveis mais simples se obriguem com menores alíquotas por demonstrarem menor signo presuntivo de riqueza. No ITR, evita que pequenos latifundiários arquem com gastos que geralmente não têm a mínima condição de suportar, ao mesmo tempo em que estimula a produtividade da terra, impondo alíquotas progressivas às propriedades que não cumprem a função social inerente à sua própria natureza.

A lei brasileira implementa também normas de isenção, mas ainda está longe de ser uma pasárgada, o ordenamento parece ignorar o fato de que os produtores de bens de consumo são severamente tributados, e que todos, inclusive aqueles que mal conseguem a própria subsistência terminam por arcar com este encargo em decorrência dos tributos indiretos, que serão detalhados em momento oportuno.

2.3.2 Princípio da legalidade
Quanto a este princípio, possivelmente o maior limitador da arbitrariedade no Brasil, vem nos termos do inciso II, artigo 5º da constituição, in verbis: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Uma das obrigações de fazer, obviamente, é a de pagar tributos, que está delimitada pelo princípio da estrita legalidade, o qual veremos com mais profundidade posteriormente.

Ademais, ressalta Ferreira Jardim8 a importância do princípio, como se segue:

Com efeito, a legalidade, assim como os demais princípios de feição genérica, espraia o seu influxo por todos os quadrantes normativos, com a particularidade de simbolizar a própria quintessência do Estado de Direito, entendido este como o governo das leis e não o governo dos homens, consoante os dizeres da Constituição de Massachusetts, de 1770.
Deste modo, a lei deve preocupar-se em não extrapolar a obrigação da prestação tributária além da responsabilidade do contribuinte “de direito” que a mesma institui como tal, correndo o risco de onerar alguém por uma prestação que não deveria cumprir, porquanto não está na lei expressamente definido como contribuinte. Assim, ao instituir alíquotas e sujeitos passivos nas obrigações tributárias, deve-se ter responsabilidade e bom senso ao observar que aquele sujeito passivo direto repassará seus gastos tributários, inevitavelmente, ao consumidor final.

Este fato, apesar de ser econômico, não pode ser deixado de lado como fenômeno que acarreta diminuição da capacidade de subsistência dos hipossuficientes, tornando-o também jurídico. Como diz Celso Antônio Bandeira de Mello9, o mundo do direito é abstrato e ideal, mas o mundo concreto não é bem assim, e o equilíbrio entre ambos deve ser encontrado, buscando a vontade da lei.

2.3.3 Princípio da igualdade
“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”, falou Rui Barbosa10 no livro Oração aos moços, este trecho da obra, que ganhou quase status de axioma na realidade jurídica brasileira, desde sua escrita, até hoje não está ultrapassado, porquanto expressa a verdadeira finalidade do princípio.

Andrei Pitten Velloso11 completa este raciocínio, explicando que a igualdade é “conceitualmente indissociável da desigualdade”, pois “existe somente se, entre os iguais, há desigualdades”. Ainda o mesmo autor ressalta a importância do princípio, tangenciando-o com o tema em questão:

As Constituições italiana e espanhola contêm amplas especificações jurídico-positivas do conteúdo da isonomia tributária: ambas consagram expressamente os critérios da capacidade contributiva e progressividade, fundamentais para qualquer sistema tributário moderno.
Deste trecho, extrai-se que o principal meio de concretização deste princípio, para as Constituições italiana e espanhola, na seara tributária, seria a efetivação do princípio da capacidade contributiva e do critério da progressividade, que serão analisados mais adiante.

No Brasil, o princípio pode ser extraído do próprio verbo do artigo 5º da constituição federal de 1988, que vem escrito desta forma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Misabel de Abreu Machado Derzi12, atualizadora da obra de Aliomar Baleeiro, faz interessante comentário ao princípio, demonstrando que de fato é relevante ao presente estudo, nas seguintes palavras:

Não pode haver igualdade parcelada, justiça parcelada, pois a constituição integra as suas partes distintas em um todo harmônico e coerente. Por isso mesmo, generalidade, capacidade contributiva (considerada proporcional ou progressivamente) e outros valores, ditados pela política econômica e social do País, são desdobramentos de um mesmo e único princípio, o da igualdade.
José Afonso da Silva13, coloca o perspicaz comentário de Pontes de Miranda sobre o princípio:

A desigualdade econômica não é, de modo nenhum, desigualdade de fato, e sim a resultante, em parte, de desigualdades artificiais, ou desigualdades de fato mais desigualdades econômicas mantidas por leis. O direito que em parte as fez, pode amparar e extinguir as desigualdades econômicas que produziu. Exatamente aí é que se passa a grande transformação da era industrial, com a tendência a maior igualdade econômica, que há de começar, como já começou em alguns países, pela atenuação mais ou menos extensa das desigualdades.
Estas desigualdades econômicas as quais o autor diz que são mantidas por leis, são em parte tributárias, e de fato podem ser amparadas e extintas pelo próprio direito, o doutrinador diz que houve atenuação deste quadro em alguns países, basta saber os caminhos pelos quais trilhar para chegar a uma tributação mais igualitária e humana.

2.4 Princípios constitucionais tributários
Serão aqui analisados os princípios que se mostrem mais pertinentes e que se chocam com o tema da tributação indireta e regressiva. São eles o princípio da estrita legalidade e o da capacidade contributiva. O princípio da igualdade também é considerado princípio constitucional tributário, no entanto, por já ter sido tratado previamente, evitar-se-á o uso de repetições desnecessárias.

2.4.1 Legalidade estrita
A constituição federal de 1988 expressa o princípio nas seguintes palavras:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Isto, combinado com o artigo 5º, II do mesmo dispositivo legal, estabelece o referido princípio como expresso. Este princípio se eiva também da “reserva absoluta da lei formal”, segundo Eduardo Marcial Ferreira Jardim14, pois não se pode basear única e exclusivamente em normas gerais e abstratas para instituir tributos, porque estes são restritos à forma da lei, e o que perpassar da mesma, pode ser considerado arbitrariedade estatal.

Aliomar Baleeiro15 entende que: “O tributo é ato de soberania do Estado na medida em que sua cobrança é autorizada pelo povo, através de representação” . Assim, o tributo deve ser estritamente formalizado, seguindo o devido processo, para estar de acordo com a vontade do instituidor do tributo, que seria o próprio povo.

O princípio em questão é fundamental para o amoldamento da tributação, visto que democratiza a discussão em torno do que é justo ser tributado ou não, o que vale e o que não se reputa interessante tributar, seja para manter um sentimento de justiça, ou efetivar os direitos sociais prezados pela Constituição Federal.

2.4.2 Princípio da capacidade contributiva

Andrei Pitten Velloso16 considera a capacidade contributiva como o “critério basilar de justiça tributária” , além disso, o princípio pode ser considerado como expresso, pois está descrito no artigo 145, § 1º da Constituição Federal de 1988 nos seguintes termos:

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a este objetivo, identificar, respeitados os direitos individuais e os termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Misabel Abreu Machado Derzi, explica a utilização da expressão “capacidade econômica” em contraponto a “capacidade contributiva”, pois o legislador constitucional “[...] pretendeu afastar as criações jurisprudenciais, administrativas ou legais que, baseadas em presunções, ficções e falseamentos, buscassem atingir fatos que não estivessem assentados em realidades econômicas”.

Apesar da explanação exposta acima, após demonstrar o que é prescrito no artigo em questão, faz-se necessário distinguir os termos “capacidade econômica” de “capacidade contributiva”, para evitar quaisquer dúvidas sobre o tema. José Maurício Conti17 descreve a diferença entre os dois termos, conceituando-os da seguinte forma:

A capacidade contributiva pode ser interpretada como aquela derivada de uma relação jurídica entre Fisco e contribuinte, em que o primeiro detém um poder sobre o segundo, fazendo surgir a relação obrigacional. Assim, tem capacidade contributiva aquele contribuinte que está jurídica e legitimamente obrigado a cumprir determinada prestação de natureza tributária para com o poder tributante.
Já capacidade econômica é representada pela capacidade que todos – ou quase todos – têm; é a aptidão dos indivíduos para obter riquezas – exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio. Tem capacidade econômica qualquer indivíduo que disponha de alguma riqueza ou aptidão para obtê-la. Um indivíduo que tenha poucos recursos, que correspondam ao mínimo que necessita para sobreviver, tem capacidade econômica, mas não tem contributiva, pois não será legítima uma tributação que atinja esse “mínimo vital”.
Assim, os conceitos de capacidade contributiva e econômica não se excluem, mas nem todos os quais são portadores da capacidade econômica são contribuintes de fato (mesmo que incorram em fato gerador prescrito em lei), posto que o mínimo necessário para a sua existência é (ou deveria ser) inalcançável aos efeitos da tributação. Este também é perfeito exemplo da já citada igualdade, a qual necessita de discriminação em determinados pontos, para poder ser efetivada, sem no entanto incorrer em contradição, utilizando-se da inteligência jurídica devida ao aplicador do direito.

Silvia Maria Benedetti Teixeira e Izabel Cristina Panni de Oliveira18 em artigo conjunto consolidam o que foi exposto até agora e o que é notado pela doutrina quase em voz única nesta frase:

A capacidade contributiva, no aspecto subjetivo, é a capacidade econômica subtraída do montante reservado para a sobrevivência da pessoa, o que se denomina de mínimo existencial, garantidor da dignidade humana.
Quando escrevem “capacidade contributiva, no aspecto subjetivo”, as autoras transportam o raciocínio da questão inclusive a dois aspectos importantes da capacidade contributiva: a capacidade econômica objetiva e subjetiva.

Do ponto de vista objetivo, a capacidade econômica só se inicia após deduzido da renda líquida, o gasto com a manutenção desta fonte de riqueza, seja o gasto com a manutenção dos objetos de trabalho, quaisquer encargos profissionais ou despesas com exploração, segundo Misabel Abreu Machado Derzi19.

Já capacidade econômica subjetiva só se iniciaria após descontados todos os gastos com a garantia do mínimo à manutenção digna do contribuinte e sua família, segundo a mesma autora.

Sendo assim, seja objetiva ou subjetiva, a acepção que deve ser encarada como a melhor é aquela a qual seja eivada de praticabilidade. É evidente que o ideal jurídico abstrato seria tomar a capacidade econômica subjetiva como melhor saída, mas na prática, nem sempre é possível obedecer à pessoalidade exigida no artigo 145, § 1º, pois tributos indiretos são realidade no Brasil. Ademais, seria impossível a fiscalização acerca da veracidade das informações prestadas, o que terminaria por acarretar maior facilidade na sonegação.

Deste modo, Luciano Amaro20, falando com propriedade sobre o tema da tributação indireta e sua relação com a capacidade contributiva, nota:

Por mais que o jurista repugne a noção de impostos indiretos, não temos como evitá-los, por uma razão muito simples: eles existem. E quem demonstra capacidade contributiva, não é necessariamente a pessoa que a lei escolhe para figurar como contribuinte. Se alguém adquire um bem de consumo, e a lei define esta operação como fato gerador de tributo, elegendo o comerciante como contribuinte, a lei não pode deixar de considerar (por expresso mandamento constitucional, que impõe o respeito à capacidade contributiva) a capacidade econômica do comprador. Se uma empresa vende produtos de primeira necessidade, a tributação não leva em conta a capacidade econômica da empresa, mas a do consumidor, ao definir a eventual tributação desses bens. Ou seja, embora de direito, o vendedor possa ser definido como contribuinte (o chamado “contribuinte de direito”), a capacidade econômica do consumidor é que precisa ser ponderada para efeito da definição do eventual ônus fiscal (pois ele será o “contribuinte de fato”).
O autor, no trecho acima, explica a problemática entre os temas e propõe a solução, que seria (nas entrelinhas do texto) a seletividade. Adiante se conceituará a seletividade e, após isso, sua correlação com a capacidade contributiva.

Seria imprudente tratar sobre a capacidade contributiva e não discorrer sobre a seletividade ou essencialidade. Para Ferreira Jardim21, seletividade é o princípio tributário que visa “quantificar o tributo, para mais ou para menos, levando-se em conta o grau de maior ou menor essencialidade do produto ou mercadoria ante as necessidades da população”.

Apesar da boa definição, Ferreira Jardim ousa quando afirma que a seletividade seria um princípio, pois não está acompanhado da maioria doutrinaria nem é este o entendimento do autor do presente estudo, pois, seguindo o raciocínio jurídico-filosófico sugerido por Humberto Ávila, não seria possível chegar a esta conclusão.

Não é razoável assumir que a norma em questão seja princípio, pois não é uma norma imediatamente finalística, mas sim imediatamente descritiva e mediatamente finalística, possui elemento descritivo facilmente constatável porque incide especificamente sobre IPI e ICMS de acordo com os artigos 153, § 3º, I e 155, § 2º, III do Código Tributário Nacional, com isto pretendendo solucionar o conflito da tributação coerente entre bens básicos e supérfluos, o que encaixa perfeitamente a norma no status de regra.

Sobre a relação entre a capacidade contributiva e a seletividade, explica Eduardo Sabbag22:

[...] a seletividade é forma de concretização do postulado da capacidade contributiva em certos tributos indiretos. Nestes, o postulado da capacidade contributiva será aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade, uma evidente forma de extrafiscalidade na tributação. Mais do que isso, apresenta-se a seletividade como uma inafastável expressão de praticabilidade na tributação, inibitória de regressividade, na medida em que se traduz em meio tendente a simples execução do comando constitucional, apresentável por meio da fluida expressão “sempre que possível” constante no artigo 145, § 1º, CF. A seletividade mostra-se, assim, como “praticável” elemento substitutivo da recomendada pessoalidade, prevista no citado dispositivo, no âmbito do ICMS e do IPI, como solução constitucional de tais gravames à realidade fático-social.
2.5 Progressividade

A progressividade no sistema tributário nacional será, a partir daqui, analisada com cuidado, a doutrina é escassa em torno do tema, portanto a análise será feita também em face das decisões jurisprudenciais e reflexões próprias do autor sobre o assunto.

2.5.1 Progressividade e proporcionalidade tributária
A distinção entre os dois institutos é necessária. Na proporcionalidade, quanto mais a base de cálculo aumenta, por óbvio a arrecadação estatal aumentará também, única e exclusivamente pelo aumento da base tributável. A proporcionalidade não se baseia na necessidade do aumento da alíquota em relação à arrecadação, mas somente na base de cálculo, como já foi dito.

A progressividade, por outro lado, baseia-se na alta percentagem sobre as bases tributáveis mais altas e baixas alíquotas sobre bases menores num mesmo tributo ou “A progressive tax is a tax by which the tax rate increases as the taxable base amount increases”, que quer dizer (em tradução livre): um tributo progressivo é um tributo pelo qual a sua alíquota aumenta quando a base tributável aumenta.

Andrei Pitten Velloso23, falando sobre o princípio da isonomia, mais precisamente nos tópicos da isonomia vertical e horizontal, cita L.V. Berliri, que diz: “quem tem mais há de pagar mais” e questiona “quem tem mais, deve pagar quanto mais”? Após isto levanta outra questão: “a imposição deve ser proporcional ou progressiva”? Segue explanando que o conceito de igualdade vertical é vago, porque baseado nos conceitos de mínimo vital e vedação do confisco, que são muito imprecisos.

Até agora, percebe-se que a delimitação da aplicação da progressividade é difícil. Andrei Pitten Velloso ainda parafraseia decisão do Tribunal Constitucional espanhol sobre o tema, nas seguintes palavras:

Dessas considerações deriva a irrefutável conclusão segundo a qual a exata medida da tributação não pode ser obtida através de uma derivação lógico-axiológica dos princípios constitucionais de isonomia, capacidade contributiva e progressividade.
De fato, o tribunal espanhol foi sóbrio ao explicar que esta “exata medida” não pode ser exclusivamente extraída de princípios jurídicos. É também necessário socorrer-se à Economia para se poder algum dia alcançar esta delicada medida.

2.5.2 A progressividade como princípio
Apesar da decisão demonstrada acima, proferida pela corte espanhola, a Constituição do mesmo país, em seu artigo 31, 1 dita:

Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica mediante un sistema tributário justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio.
Em tradução livre: Todos contribuirão ao sustento dos gastos públicos de acordo com sua capacidade econômica mediante um sistema tributário justo inspirado nos princípios de igualdade e progressividade que, em nenhum caso, terá alcance confiscatório.

A decisão da Suprema Corte espanhola, apesar de pessimista, não dita que é impossível estipular a exata medida da tributação, só que isto não é tarefa do jurista, o que por acaso não afasta a responsabilidade de produzir os meios pelos quais este princípio deva ser efetivado, seja com raciocínio econômico sobre o tema, socorrendo-se de estudiosos e especialistas, seja por qualquer outro meio. Não é porque um princípio é de difícil aplicação, que se deve escusar de aplicá-lo.

Há discussão sobre a origem e o caráter da progressividade, seria técnica aplicável aos impostos de renda e sobre a propriedade imóvel (urbana e rural) somente? Ou seria um princípio, sendo recomendada a sua aplicabilidade fora do âmbito destes impostos?

Parece seguir em ritmo lento a discussão sobre o tema no Brasil. O Supremo Tribunal Federal se manifestou em decisão sobre o tema, no agravo regimental em agravo de instrumento número 170271, onde o ministro Ilmar Galvão, na ementa da decisão, fala expressamente no princípio da progressividade sobre taxa judicial, assim, portanto, fora das regras expressas contidas na constituição sobre o Imposto de Renda (art. 153, § 2º, I), o Imposto sobre a Propriedade Predial Territorial Urbana (art 156, § 1º) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (art. 153, § 4º, I e 182, § 4º, II).

Faz um adendo a esta decisão da suprema corte pátria o autor José Maurício Conti24, não aceitando a progressividade sobre taxas, com razão, pois as taxas devem ser cobradas de acordo com a contraprestação do serviço e não da capacidade contributiva, ressalta ainda que “A progressividade é adequada para tributos fundados na capacidade contributiva, como é o caso dos impostos”. Portanto, já que o gasto do serviço público da prestação jurisdicional não vai aumentar ou diminuir se o valor da causa for maior ou menor, teria, na opinião do autor, errado o Supremo.

Ademais, pode um pleito judicial ser de alto valor, mas aquele que pede, nem sempre terá condições de arcar com custas de preparo, caso necessite de reexame da matéria, pois a mera discriminação do valor da causa não faz subentender a capacidade contributiva do autor, até porque o pleito pode ser apenas parcialmente deferido. Por não ser baseado necessariamente na capacidade contributiva do autor, pode sofrer obstrução do acesso à justiça por impossibilidade de arcar com as custas do preparo, caso necessite entrar com recurso.

Enfim, que de fato importa na decisão do tribunal máximo, é a consideração da existência do princípio progressividade no sistema brasileiro, de onde se conclui que se abriram os horizontes para além do corpo da breve decisão. Não que o princípio não existisse antes, mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal abre um precedente judicial, que serve de embasamento para a argumentação jurídica (lei, doutrina e jurisprudência), dando força à arguição dos que defendem a existência do princípio.

Se a progressividade pode ser considerada como princípio, para Humberto Ávila25 deve haver um estado ideal de coisas a ser atingido, como prescreve no seguinte parágrafo:

Com efeito, os princípios estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido (state of affairs, Idealzustand), em virtude do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já escolhido para resguardar tal estado de coisas. Estado de coisas pode ser definido como uma situação qualificada por determinadas qualidades. O estado de coisas transforma-se enfim quando alguém aspira conseguir, gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação.
Segundo o que dita Ávila sobre o estado ideal de coisas (Idealzustand), se pode a progressividade ser considerada um princípio, devemos assumir que ela deve ser eivada de, primeiramente, razão (fim, tarefa). Portanto, qual seria esta razão de ser do princípio da progressividade? Ou melhor, qual seria o ideal a ser atingido ao assumir este princípio como integrante da ordem jurídica tributária?

O próprio Humberto Ávila26 responde em parte a estes questionamentos, apesar de não considerar a progressividade um princípio. O autor cita importante conceito trazido por Klaus Tipke quando diz que “o princípio da capacidade contributiva, não exige, porém, progressividade alguma, muito embora esta seja conciliável com aquele”. Diz ainda Ávila que a progressividade decorreria do princípio da solidariedade social e não da capacidade contributiva, pois seria um instrumento de redistribuição de renda.

Débora da Silva Roland27, ressalta este pensamento quando diz que a progressão de alíquotas teria o “objetivo primeiro de redistribuir a renda”, e adenda dizendo que este fato, “nunca foi concretizado, restando apenas um efeito meramente arrecadatório”. Cabe uma breve crítica ao pensamento da autora, visto que, pela finalidade social da Constituição Federal e do ordenamento jurídico brasileiro como um todo, a arrecadação serviria para atender às necessidades sociais (dentre outras finalidades), fazendo com que, de certo modo esta arrecadação seja revertida em melhorias para as camadas sociais menos favorecidas, redistribuindo-a indiretamente em benefícios à sociedade como um todo.

Não fosse assim, como seria feita esta redistribuição de renda? Seriam os integrantes das classes a e b obrigados a depositar dinheiro nas contas bancárias das classes d e e? Ora, se a finalidade social almejada pelo ordenamento jurídico brasileiro não é alcançada, não é por lacuna jurídica ou atecnia (apenas), mas por causa do mal gerenciamento da arrecadação no país por parte dos administradores que são eleitos.

Voltando ao fio da meada, apesar de até agora não se conseguir trazer a interiorização do pensamento o qual faria deduzir a finalidade do princípio da progressividade, pelo que exposto até então, não podemos admitir que este ideal é a redistribuição de renda, porquanto esta é a finalidade do princípio da solidariedade social. Não se pode concluir também que a finalidade do princípio da progressividade é tributar adequadamente o contribuinte, pois esta é a finalidade do princípio da capacidade contributiva.

A finalidade da progressividade, à luz da interpretação do autor do presente estudo, parece ser a de graduar a tributação, o que parece mais técnica que princípio, visto que a tributação pode ser graduada também proporcionalmente. Por outro lado, a proporcionalidade é sabido princípio constitucional, o que não parece impedir a sua utilização como técnica. Apesar disto, o estado de coisas sugerido por Ávila, não pode considerar um princípio mera técnica, como ocorre neste caso, d'onde se conclui que não é porque a proporcionalidade é princípio e técnica que a progressividade seria obrigada a sê-los, necessariamente.

Isto porque a finalidade de tributação graduada segundo a progressividade não é um fim em si, procura, sobretudo, efetivar o ideal de justiça tributária, que não depende exclusivamente da progressividade, e apesar desta ser recomendada, não é imprescindível, como dita Klaus Tipke, citado por Humberto Ávila28: O imposto progressivo é um permitido e possível, mas não obrigatório por meio de realização da justiça social

Como neste estudo, adotou-se o raciocínio jurídico de Ávila para a interpretação de normas e princípios, entende-se pelo explanado neste capítulo que a progressividade não pode ser considerada princípio, no entanto, também não é regra no sentido estrito da palavra, pois demanda um ônus argumentativo maior que as demais regras e não tem a necessidade de colidir razões para sua melhor interpretação por parte do interpretador, porque a possibilidade da progressividade não é baseada estritamente no critério do tudo ou nada.

A progressividade tem estas características porque é técnica, de aplicação sugerida junto aos princípios da capacidade contributiva e da solidariedade social. Apesar de ser expressa em determinados tributos, pode ser utilizada nos demais (observando-se a vedação do confisco), pois o texto constitucional não limita a utilização de técnicas para a aplicação de normas, muito menos princípios, que dependem de carga argumentativa muito mais forte. Portanto, estas técnicas vêm como de socorro à melhor argumentação, interpretação e aplicação destes princípios.

3. TRIBUTOS DIRETOS E INDIRETOS
Ir-se-á neste tópico esclarecer o conceito e a distinção entre os tributos diretos e indiretos. Primeiramente, será brevemente explanado o conceito de tributos (porque indispensável), após isto, serão tratados os tributos diretos, em seguida, os indiretos e, adiante, confrontar-se-ão ambos para um melhor entendimento e esclarecimento do tema.

3.1 Tributos
Kiyoshi Harada29 conceitua tributos como “prestações pecuniárias compulsórias, que o Estado exige de seus súditos em virtude do seu poder de império”. No entanto, o próprio autor, ao explicar que esta é a definição mais adotada pela doutrina, esclarece também a relativa desnecessidade do ensinamento, já que a definição de tributos se acha normatizada no Código Tributário Nacional nos seguintes termos:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Apesar do que foi explanado até então, Luciano Amaro30 traz extensa crítica ao conceito legal, a mesma, apesar de interessante, não convém ao presente estudo, posto que não se pretende aqui aprofundar-se neste tema. O que é pertinente destacar na obra do autor, é que após esta crítica, traz muito bem elaborado e preciso conceito que traz sobre tributos: “Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais e de interesse público”.

Adotar-se-á, portanto, este conceito como o mais adequado, pois o texto legal tem muitas palavras desnecessárias, dando-lhe redundância, como afirma Paulo de Barros Carvalho31, quando diz que “o político, despreocupado com o rigor, comete dois erros grosseiros”, se referindo aos termos “prestação pecuniária em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” e acrescenta, dizendo que “isto ampliou exageradamente o âmbito das prestações tributárias” isto não por acaso, mas porque quase todos os bens são suscetíveis de avaliação pecuniária.

A doutrina ainda classifica geralmente os tributos como reais, proporcionais, pessoais, progressivos, fixos, fiscais, parafiscais, extrafiscais, diretos e indiretos. A partir daqui, manter-se-á o foco nos dois últimos, que são os mais importantes ao estudo em questão.

3.2 Tributos diretos
Esta é uma classificação de cunho mais econômico que jurídico. Tributos diretos são aqueles que recaem sobre um determinado contribuinte. São também os tributos que não extrapolam responsabilidade do sujeito passivo tributário, fazendo assim com que o mesmo suporte completamente o ônus. Luciano Amaro32 fala com propriedade sobre o tema, quando diz que a classificação de tributos diretos e indiretos é de fundo econômico, fala ainda que os tributos diretos “são devidos ‘de direito’, pelas mesmas pessoas que, ‘de fato’ suportam o ônus do tributo”; e ressalta, “é o caso do imposto de renda”.

Igor Mauler Santiago33, no entanto, traz a sóbria reflexão do desembargador José Morschsbacher sobre o tema, o qual diz que na realidade, todos os impostos detêm uma carga indireta, o que é de bom senso afirmar, como se segue:

A repercussão econômica, e nesse particular são unânimes todos os grandes mestres em economia financeira, como Pantaleoni, Seligman, Jèze, Hugon, Allix, Lindholm, Cosciani, Laufenburgerm Recktenwald e outros, é propriedade comum, senão a todos, a quase todos os impostos, os quais, de uma forma ou outra, e dentro dos mais variados mecanismos oferecidos pelas leis do mercado, repercutem economicamente.
Essa presença generalizada da repercussão econômica, inclusive nos impostos sobre o patrimônio e a renda, universalmente arrolados entre os diretos, é fruto de uma atitude natural do contribuinte, colocado num sistema de economia liberal, ao promover o que se poderia denominar de auto-defesa; qualquer aumento de imposto traz, como consequência, uma correspondente acomodação da atividade econômica do contribuinte, dispondo-a de forma a propiciar, na medida em que a lei da oferta e da procura o permite a repercussão desse custo adicional. […]
Mesmo num sistema de controle oficial de preços, o custo do imposto é normalmente considerado no preço de venda dos produtos, utilidades ou serviços vendidos.
Apesar disto, é inegável que de fato existem impostos os quais causam uma reflexão econômica indireta mais óbvia e mais presente que outros, por exemplo, se a alíquota do ICMS sobe, o comerciante imediatamente reajustará os preços de seus produtos para se adequar à nova realidade econômica. Outro exemplo que permite a percepção deste fenômeno com clareza é quando o Brasil resolve incentivar ou desestimular os produtores industriais, com majoração ou redução do IPI para influenciar diretamente na economia.

Levar em conta que o imposto de renda causa influência no preço das mercadorias, serviços e produtos é verdade, mas não é um tributo que sirva de limitador ou sugestionador das relações econômicas em curto prazo. Por óbvio que se a tributação num país é alta, como ocorre no Brasil, o preço dos bens em questão eventualmente irão subir. Esta, no entanto, é uma questão de política econômica.

Dizer que não há diferença entre tributos diretos e indiretos tornaria toda a discussão em torno da pessoalidade, capacidade econômica subjetiva e sobre a capacidade econômica objetiva, inócua, o que de fato não é, visto que no direito tributário brasileiro existe o princípio da pessoalidade, como assevera Aliomar Baleeiro34:

Os impostos pessoais, ou subjetivos, são regulados por critérios que contemplam a individualidade do contribuinte. As condições personalíssimas deste são elementos que se integram na formação do fato gerador e determinam as variações para mais, ou menos, fixação do quantum a ser reclamado pelo fisco.
Jèze, citado por Baleeiro, quando se refere ao tributo pessoal, defende que é o “imposto dos Estados civilizados modernos”, justamente porque esta modalidade de tributo é perfeitamente comedida de acordo com a pessoal capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária, tornando a tributação mais justa.

3.3 Tributos indiretos


Humberto Ávila35 conceitua de modo bastante simples os tributos indiretos, dita o autor que são aqueles “impostos cujo ônus econômico é repassado pelo sujeito passivo a um terceiro (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e Imposto sobre Produtos Industrializados)”.

O autor ainda levanta o questionamento acerca da possibilidade da aplicação do princípio da capacidade contributiva sobre esta modalidade de tributos. Ademais, no caso de ser aplicável, sobre que contribuinte recairia a aplicabilidade do princípio? Sobre o contribuinte de fato ou sobre o contribuinte de direito?

Segue o mesmo respondendo que “a tributação conforme a capacidade econômica não se identifica com a tributação baseada nas características pessoais do sujeito passivo”. Portanto, como nem sempre ambos podem se conciliar, diz o autor que o entendimento dominante sobre os “aspectos pessoais, nos casos dos impostos que não levam em conta, na sua hipótese material, aspectos pessoais, deve ser feita por outros instrumentos como a progressividade baseada na essencialidade dos produtos ou serviços, por exemplo”.

O entendimento dominante ao qual o autor se refere, é o de doutrinadores que já foram citados neste estudo, dentre os quais, Roque Antônio Carrazza e Luciano Amaro.

Outro instrumento de efetivação da não tributação do contribuinte de fato citado pelo autor, seria a restituição por força do artigo 166 do CTN, que dita:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
Deste modo, Aliomar Baleeiro36 não poupa esforços em demonstrar esta realidade, escrevendo sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal:

Este acabou por entender que todos os impostos chamados "indiretos" comportam sempre a repercussão do ônus econômico do contribuinte de jure para o contribuinte de facto, isto é, para o consumidor ou comprador. O vendedor tributado acresceria o tributo ao preço e o recobraria dos compradores sucessivos. Desse entendimento proveio a súmula nº 71 daquela corte: "Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto (hoje, esclarecida pela súmula nº 546.)".
A súmula nº 546, que diz: “cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte "de jure" não recuperou do contribuinte "de facto” o"quantum"respectivo”.

Assim, o contribuinte de jure poderia ter direito à restituição do imposto pago, provando que não agregou tributo ao preço da mercadoria ou fato gerador, como explica Aliomar Baleeiro37:

[…] Destarte, em caso concreto, o contribuinte de jure provará por seus livros e arquivos etc. Que não agregou o tributo ao preço, ou, se o agregou, está autorizado a receber a restituição pelo contribuinte de facto. Ou demonstrará a impossibilidade prática da transferência nas circunstâncias especiais do caso concreto.
Neste caso, a tributação indireta não ocorreria, no entanto, o Estado estaria obrigado a restituir a arrecadação já realizada ao agente do fato gerador, o qual foi cobrado, não repassando seu ônus fiscal ao consumidor final, o que caracterizaria não tributação total (e não exclusivamente indireta).

Pelo entendimento da súmula 546 STF, é fácil a percepção que impostos de caráter indireto não são criados para onerar o contribuinte de jure, sequer juridicamente, apesar desse fato parecer controverso. Isto, porquanto se o contribuinte comprovar que não repassou os gastos tributários ao seu cliente (no caso do ICMS, por exemplo), terá direito à restituição tributária.

Neste caso fica claro que o único onerado na tributação é o contribuinte de facto ao qual Aliomar Baleeiro se refere, pois em tese, o contribuinte de jure nunca seria onerado, posto que a própria legislação admite o repasse (fatalmente) da carga tributária ao consumidor final, e quando não o fizer, terá direito à restituição. Assim, são também rechaçados automaticamente quaisquer argumentos acerca da discussão em torno da tributação indireta e direta ser exclusivamente de cunho econômico.

Apesar de o repasse da responsabilidade de arcar com o preço da tributação parecer incoerente e a tributação indireta parecer vil, na verdade não é, posto que o contribuinte de jure incorre exclusivamente no fato gerador, não significando assim que expresse deter o signo presuntivo de riqueza, o qual é determinado pelo consumidor do bem ou serviço, à medida da essencialidade do mesmo.

Deste modo, torna-se relevante à pretensão deste estudo a análise sobre a tributação de bens que sofrem tributação indireta e oneram pessoas que não expressam signo presuntivo de riqueza, pois não consomem bens supérfluos. A tributação sobre estes indivíduos caracterizaria a regressividade na tributação brasileira, que deve ser evitada a todo custo. Sobre este tema, tratar-se-á em capítulo oportuno.

3.4 Tributos diretos e indiretos
Como explanado até então, os tributos diretos e indiretos podem ser distinguidos, mas será esta diferenciação simples de ser feita? Aliomar Baleeiro38 já ressaltava que:

[...]os financistas ainda não conseguiram, após 200 anos de discussão, desde os fisiocratas do século XVIII, um critério seguro para distinguir o tributo direto do indireto.
O mesmo tributo poderá ser direto ou indireto, conforme a técnica de incidência e até conforme as oscilantes e variáveis circunstancias do mercado ou a natureza da mercadoria ou a do ato tributado.

De fato, como já ressaltado nos comentários de Igor Mauler Santiago, citando o desembargador José Morschsbacher suportado por enormes nomes da economia, todos os tributos detém carga indireta, onde em alguns destes tributos esta carga indireta é mais evidente que em outros.

Apesar disto, pode-se dizer que os tributos sobre bens de consumo (ex: IPI, ISS, ICMS) são mais suscetíveis a serem indiretos que tributos sobre a renda ou sobre o patrimônio (ex: IR, IPTU, IPVA).

Ratificando este entendimento, diz Marcelo Castello Branco Cavalcanti39, economista Doutor em Planejamento Energético acerca do tema da tributação sobre os bens de consumo:

[…] Outro aspecto relevante é a excessiva participação dos tributos sobre bens e serviços na arrecadação. Esse tipo de tributação indireta traz um alto índice de regressividade à carga tributária à medida que acaba onerando as pessoas de menor rendimento, em vez de se concentrar na parcela da população cuja renda apresenta uma alta participação no PIB (Giambiagi e Além, 2000).
Iniciar-se-á portanto o estudo sobre o tema da tributação regressiva, e como esta se relaciona com a tributação indireta.

4 REGRESSIVIDADE
4.1 Conceito
N. Gregory Mankiw40 explica a tributação regressiva junto à proporcional e à progressiva. Para facilitar a didática, o autor separa os sujeitos passivos em pobres, médios e ricos e dita o economista que um tributo progressivo representaria uma carga tributária de 10% à renda total dos pobres, 25% aos médios e 35% ou mais aos ricos. A tributação proporcional seria de 25% sobre a renda de todos e a regressiva seria o inverso da progressiva.

Mankiw também ensina que tributos sobre a renda (progressivos) seriam desestimulantes do trabalho, portanto, para não desestimular a economia e aquecer a arrecadação por parte do Estado, a solução seria tributar os bens de consumo, o que invariavelmente acarretaria em regressividade.

O autor, ao indagar sobre a injustiça desta medida, explica que apesar da tributação sobre os bens de consumo onerarem percentualmente mais os pobres, afirma que eles consomem pouco, portanto pagam menos tributos no total. Infere-se do raciocínio do autor que este tipo de tributação não seria justa, no entanto o mesmo não completa o raciocínio, se esquivando da polêmica, dizendo que “a equidade, assim como a beleza está nos olhos do observador”.

Ante o exposto, tributos regressivos parecem ser verdadeira afronta à abordagem moderna do Direito Tributário pátrio. O professor Renato Lopes Becho41 expressa perfeitamente esta introspecção nas seguintes palavras:

Os Direitos Humanos podem ser estendidos à tributação, tema incipiente, mas que começa a ser objeto de reflexão no Brasil. Por Direitos Humanos temos a concepção jurídico-filosófica que privilegia o respeito aos valores e coloca novamente o homem no centro do Direito. O positivismo jurídico — mero respeito às leis — dá lugar, de forma prudente e moderada, à finalidade do sistema jurídico: a proteção do homem. Para alcançar seu objetivo de proteção do ser humano, notadamente frente ao Estado, o Direito volta sua atenção a valores como a dignidade da pessoa, o respeito à individualidade e à privacidade.
Desta forma, como já abordado anteriormente, o conceito do autor Luciano Amaro42 sobre tributos regressivos é preciso além de que ratifica o que já fora exposto sobre o tema:

Denominam-se regressivos quando sua onerosidade relativa cresce na razão inversa do crescimento da renda do contribuinte. E progressivos se a onerosidade relativa aumenta na razão direta do crescimento da renda. Suponha-se que o indivíduo ‘A’ pague (como contribuinte de direito ou de fato) 10 de imposto ao adquirir o produto X, e tenha uma renda de 1.000; o imposto representa 1% de sua renda. Se esta subisse para 2.000, aquele imposto passaria a significar 0,5% da renda, e, se a renda caísse para 500, o tributo corresponderia a 2%. Assim, esse imposto é regressivo, pois, quanto menor a renda, maior é o ônus relativo.
A reflexão do autor é correta, no entanto, salvo se o produto comprado for essencial, dificilmente a pessoa (a qual o autor cita) que ganha 500 de renda mensal, comprará um produto que lhe custe 10 de imposto. É bem verdade que esta pessoa poderia economizar meses a fio para poder realizar esta compra, no entanto, ao realizá-la, está demonstrando um signo presuntivo de riqueza.

4.2 Causas
Demonstrada a problemática, então quais seriam as causas desta perversa modalidade de tributação? Ressalte-se que não é da pretensão deste estudo apresentar a resposta para a erradicação da injustiça fiscal no Brasil, mas demonstrar esta realidade em todas as suas vertentes, analisando as causas e consequências, para assim poder-se tornar mais fácil a compreensão da extensão do problema. Deste modo, é natural que alguns dos estudos realizados sobre o assunto, tragam tentativas de soluções (mesmo que nem sempre completas nem práticas) para este consternador quadro da realidade brasileira.

Uma inteligente análise neste sentido, é a de Marcelo Castello Branco Cavalcanti43, que dita:

O grau de tributação depende da forma como o sistema é estruturado. A tributação sobre a renda das pessoas físicas torna o sistema mais progressivo, tendo em vista que os impostos pessoais podem ser dosados conforme a renda do contribuinte, sendo que a possibilidade de transferência de carga para outros contribuintes é menor do que no caso de impostos sobre produtos ou empresas. Estes tendem a ser transferidos e regressivos. Deste modo, a utilização mais intensa e mais progressiva do imposto de renda é recomendável. O aumento da qualidade da administração fiscal é essencial à medida que poderá reduzir a sonegação, garantindo a boa qualidade do sistema tributário e uma maior justiça fiscal. Sendo assim, é fundamental que haja uma ampla reforma da administração fazendária que lhe forneça meios para aumentar a arrecadação de impostos cujo controle é relativamente mais difícil, permitindo uma redução de outros impostos que são prejudiciais à eficiência do sistema econômico.
Deste modo, pode-se sumarizar da análise do pesquisador, que tributar mais a renda em detrimento dos bens de consumo, seria a melhor solução para a erradicação, ou, ao menos, a redução da tributação regressiva. De fato, não resta dúvida que esta medida reduziria a regressividade na tributação brasileira.

O autor ainda sugere a reforma da administração fazendária para uma melhor fiscalização dos “impostos cujo controle é mais difícil”. Refere-se o autor então ao imposto de renda, principalmente, já que este favoreceria uma maior justiça fiscal, porque a transferência da carga tributária é menor. Neste ritmo, a otimização da fiscalização unida à eficaz seletividade dos produtos e serviços eivados de essencialidade seriam suficientes para elevar a tributação no Brasil a patamares mais próximos da verdadeira efetivação dos direitos humanos e, portanto, da justiça tributária.

Assim, como já foi analisado, a progressividade não é princípio, portanto não é obrigatória, mas isso não obsta a utilização dos meios pelos quais se evite a regressividade, mesmo que a técnica da progressividade não seja aplicada em todos os tributos, ao menos a proporcionalidade deveria ser. Isto, em obediência aos mandamentos constitucionais de observância à capacidade contributiva e ao mínimo vital (englobado no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana), limitados pela vedação ao confisco (englobado no direito fundamental à propriedade).

A seletividade é regra, como já fora abordado no presente estudo, e, como tal, deve ser observada, no que se aplica, sem maleabilizações, as quais desvirtuariam a própria essência do instituto. Deste modo, faz-se justa a crítica sobre a tributação sobre os combustíveis, mais precisamente, sobre o Diesel, que é o principal instrumento do escoamento de produtos de consumo básicos, e, por óbvio, deveria ser tratado como tal.

Infere-se de todo este raciocínio, que a melhor saída para a tributação regressiva seria a personalização da tributação. No entanto, seria, na prática, impossível determinar a individualização de absolutamente todas as pessoas para fins de pagamento de tributos, apesar de a pessoalidade ser mandamento constitucional. Por isso o critério da demonstração do signo presuntivo de riqueza para delimitação da tributação deve ser levado em conta como tentativa louvável de efetivação daquela, ainda que com imperfeição e por amostragem.

Assim, este critério parece ser suficiente para afastar o fenômeno da tributação regressiva no país. Estudo realizado pelos pesquisadores Luís Carlos Garcia de Magalhães, Fernando Gaiger Silveira, Frederico Andrade Tomich, Salvador Werneck Vianna44 denunciam o absurdo constatado na realidade brasileira:

No que se refere ao peso desses tributos na renda das famílias, verifica-se o caráter regressivo da tributação indireta sobre o consumo alimentar, decorrente da importância que os dispêndios alimentares têm no orçamento das famílias situadas nos estratos de menor renda [...]. Observa-se que o maior peso do ICMS e do PIS/COFINS no rendimento mensal familiar ‘per capita’ dos mais pobres ocorre nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Belém e em Brasília. Nesses centros urbanos, os tributos indiretos pagos nos produtos da cesta alimentar analisada são sempre superiores a 7%, sendo que em Fortaleza chegam a praticamente 8% do rendimento familiar ‘per capita’ para as famílias com renda média mensal até dois salários mínimos. No caso dos estratos de renda familiar entre dez e quinze salários mínimos, o ICMS e o PIS/COFINS representam menos de 2% da renda média do estrato. No estrato de maior renda, por sua vez os das famílias com renda média superior a trinta salários mínimos, os tributos pagos na cesta alimentar não che

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