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Companhias criam programas para recrutar negros



Na tentativa de ampliar a diversidade do quadro de funcionários, empresas estão promovendo programas de recrutamento específicos para a contratação de profissionais negros. Com predominância nos níveis iniciais, como estagiários, as iniciativas variam entre programas voltados especificamente para o público ou a criação de cotas dentro do recrutamen

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No início deste ano o Google lançou o "Next Step", um programa de estágio com 20 vagas que vai priorizar a contratação de estudantes negros. "Ele nasceu de um desafio que perdura no mundo corporativo e principalmente na indústria de tecnologia, que historicamente vem excluindo candidatos de grupos minorizados", diz Daniel Borges, gerente de atração de talentos para a América Latina.

Rosi Teixeira foi contratada como desenvolvedora ao se candidatar no programa "Enegrecer a Tecnologia" da ThoughtWorks

A principal mudança na comparação com os demais processos da empresa foi deixar de exigir o inglês fluente entre os requisitos. Rankings de proficiência apontam que na população brasileira só 5% falam um segundo idioma. "Tratamos o inglês numa ótica de acesso, e não de competência", diz Borges. Ele diz que espera que os alunos aprendam o idioma ao longo dos dois anos de programa, que vai oferecer um curso intensivo dentro da própria empresa e incluir um sistema de "buddy", um funcionário veterano do Google que vai ajudar o jovem a adaptação.

A decisão também partiu da necessidade de ampliar o acesso a redes de contatos mais diversas. Um dos problemas enfrentados por empresas com pouca diversidade é que a contratação por indicação - fonte importante de candidatos para qualquer processo seletivo - acaba trazendo profissionais com perfis parecidos aos que já trabalham na companhia. "A indicação é uma ferramenta muito poderosa, mas no longo prazo existe a armadilha de ter o mesmo padrão reproduzido", diz Borges.

Para desenvolver o programa, o Google contou com a startup Empodera, fundada por Leizer Pereira a partir da sua experiência como professor e coordenador da ONG Educafro, que oferece cursinhos de vestibular social. Nascido na periferia do Rio, Pereira foi executivo em grandes empresas e, em 2014, começou a fazer trabalho voluntário na ONG. Foi quando identificou que a empregabilidade era um dos principais desafios dos alunos que se formavam em universidades públicas e privadas após passarem pelo cursinho.

Em 2015, foi chamado por uma grande empresa de bebidas para fazer um programa de trainee só para negros - e viu uma oportunidade. "Essas grandes empresas criaram um status quo de recrutamento focado em um público que é mais do mesmo, e precisam de canais alternativos e ajuda na comunicação. É uma jornada para sair da bolha", diz.

Ao mesmo tempo, conversou com os estudantes sobre o processo seletivo e viu que eles precisavam desenvolver habilidades comportamentais que a universidade não ensina. Mesmo em faculdades de renome, Pereira explica que o preparo que um jovem branco de classe média recebe por "ter pais formados, com carreira, ter 'mentoria' em casa e falar três idiomas" amplia suas vantagens na comparação com um jovem negro de classe mais baixa que é o primeiro da família a chegar ao ensino superior. "Não falta conhecimento técnico, mas networking", afirma.

Muitas vezes, os jovens nem tentam se candidatar a vagas porque não têm contato com a marca ou não se enxergam naquele ambiente, diz Pereira. "Ou ele não passa na triagem porque seu currículo está malfeito, ele não tem inglês e se intimida, não valoriza a história dele", diz. No programa do Google, a Empodera promoveu uma etapa não-eliminatória com uma oficina de capacitação para processos seletivos.

Para aproximar a empresa de estudantes negros, a Microsoft promove desde o ano passado o "Black Minority Student Day", um evento global que convida estudantes para visitar a empresa. Este março, foram recebidos 80 jovens para palestras sobre inteligência artificial com a participação da aceleradora de startups BlackRocks. Segundo a líder de diversidade e inclusão da Microsoft Brasil, Priscyla Laham, parte do objetivo é atrair talentos para os programas de recrutamento, embora a empresa não fixe cotas. No último ano, o programa de estágio ampliou o número de universidades parceiras e deixou de exigir o inglês intermediário alto. "Como o programa é de dois anos, as pessoas podem se desenvolver aqui dentro", diz.

Na Empodera, Pereira criou em 2017 uma plataforma gratuita de vídeos sobre carreira para ajudar na preparação dos estudantes que buscam entrar no mercado de trabalho, que hoje conta com 40 mil usuários, metade dos quais se declaram negros. Com esses cadastros, ele criou uma base de currículos que pode ser acessada por empresas que pagam uma assinatura anual. Segundo Pereira, mais de 400 jovens já foram empregados dessa forma. No último semestre, 12 empresas se tornaram clientes e outras 15 contrataram serviços pontuais da empresa, que tem hoje oito funcionários e está passando por um processo de aceleração da Startup Farm e da Oi Futuro.

"O que eu vejo é que a onda de ações afirmativas quer bateu nas universidades veio com força na praia das empresas agora", diz ele. Mesmo assim, as companhias que buscam os serviços da Empodera, segundo Pereira, ainda são principalmente multinacionais que são cobradas pela matriz em metas de diversidade.

Essa também é a experiência de Patrícia Santos, CEO e fundadora da EmpregueAfro, consultoria que presta serviços de recrutamento e desenvolvimento de programas de diversidade. Nos últimos dois anos ela viu dobrar a demanda por recrutamento para estágio e trainee voltado para jovens negros. As empresas são de segmentos variados, mas 90% ainda são multinacionais americanas, segundo Patrícia. "É triste isso, mas para chegar às empresas brasileiras, o brasileiro vai ter que repensar as relações raciais", diz.

A consultoria acompanha gestores e jovens mesmo após a contratação, com reuniões mensais, coaching e desenvolvimento de competências, além de manter um canal aberto para conversas sobre possíveis experiências de racismo vividas dentro das companhias. "Sabemos que a inclusão não termina na contratação", afirma. Ela diz ser comum que as empresas mudem os requisitos na hora da contratação, como aconteceu com o Google. Além de flexibilizar o inglês, ela recomenda ampliar o número de universidades onde o recrutamento é feito e não ter limites de idade para programas de trainee e estágio.

O escritório de advocacia Martorelli Advogados, do Recife, instituiu em março do ano passado uma cota de 20% para negros na contratação de estagiários. Para alcançar a meta, fez parcerias com várias universidades que antes não estavam no radar do escritório. Hoje, dos 25 estagiários, seis entraram pelo programa. Segundo a sócia-diretora Fernanda Martorelli, a ideia agora é ampliar a iniciativa para a unidade de Maceió. Ela conta que a ideia veio após a criação do projeto "Incluir Direito", do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), do qual o Martorelli faz parte. No ano passado, o Cesa fez um levantamento com mil escritórios de advocacia e identificou que só 1% dos advogados associados são negros.

Um dos contratados foi Gilberto Guedes, que há quatro meses estagia na área de contencioso cível consumidor. Com 24 anos e no penúltimo ano do curso de direito, ele vinha mandando seu currículo para escritórios de advocacia desde o segundo ano, mas nunca havia sido chamado para uma entrevista. Antes de conseguir a vaga no Martorelli, trabalhava como técnico de manutenção de ar condicionado. "Até a seleção eu não sabia do programa. Na primeira semana descobri e achei muito legal, é uma oportunidade única", diz. Ele estuda na faculdade Aeso-Barros Melo como bolsista, e é o primeiro da família a fazer faculdade.

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