A arte do nu: Modelos vivos relatam suas experiências
Há séculos, a percepção visual do corpo humano é a matéria-prima da  investiagação artística para muitos pintores, desenhistas e escultores.  Para aperfeiçoarem sua técnica, eles contam com aliados que despem o seu  corpo e se deixam observar atentamente. São os modelos vivos, que  realizam uma atividade cuja finalidade sobrevive à exaustão de imagens  características da vida contemporânea.
Em Pernambuco, não há um  mercado consolidado de profissionais que encarem o ato de posar nus para  artistas como ofício, mas isso não significa a completa ausência de  pessoas inclinadas a serem modelos vivos. Um exemplo é o pesquisador  teatral Murilo Freire, ator, diretor, pesquisador teatral, produtor  associado do Centro de Articulação de Saberes Artísticos (C.A.S.A) e  integrante do grupo Labô-espetáculo. Ele é um dos quatro modelos vivos  que fazem parte do Risco - Grupo Experimental de Desenho, composto, em  sua maioria, por estudantes e docentes do bacharelado em artes visuais  da Faculdade Barros Melo (AESO).
Para Murilo, posar é uma arte em  si, que exige desprendimento com relação a tabus sobre a exibição do  corpo. “As pessoas não tem a exata noção da importância desse trabalho.  Ficar parado exige muita resistência, pois ha´um nível grande de fadiga.  Esta é a interrupção de um movimento, de algo que poderia estar  acontecendo e não está”. Para seus movimentos, a inspiração é tirada das  esculturas do francês Auguste Rodin. Cada pose pode durar entre 30  segundos e 20 minutos.
A nudez necessária ao ofício do modelo  vivo precisa de uma relação de confiança para se estabelecer. Foi o que  ocorreu com a jornalista Xavana Celesnah e o artista plástico Roberto  Ploeg. “Quando era criança, vi uma pessoa posar no Centro Cultural  Benfica [pertencente à UFPE], mas, depois disso, não tive mais contato  com esse universo”. Isso só voltou à ordem do dia após o convite do  pintor para que ela posasse como Eva em uma série de telas, ao lado de  um amigo, representado como Adão. “Naquele momento, tentava pensar nas  musas, nas deusas da arte”.
Segundo o professor de artes visuais  da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Fernando Lúcio, responsável  pela disciplina de desenho com modelos vivos, a utilização desse tipo  de profissional se dá por uma necessidade do artista de ajustar o seu  olhar e exercitar o poder de observação. “O mais importante é a boa  expressão. O modelo de artista não pode ser exatamente igual ao modelo  de desfile. Esta última apresenta protuberâncias ósseas que não dão um  aspecto agradável à obra”. Para quem posa, segundo o docente, há várias  barreiras a derrubar. “No Brasil, existe um pudor complexo com relação à  nudez. Às vezes, a pessoa pensa que se sente à vontade, mas, na hora  decisiva, não se sente. É preciso estar sempre de bom humor”.
CINCO DÉCADAS DE ARTE
A pernambucana Vera  França, radicada em São Paulo há 47 anos, é um exemplo de modelo vivo  que conseguiu perseverar na profissão. “Posava de manhã, à tarde e à  noite. Criei minhas duas filhas, Jaqueline e Shirley, com o dinheiro  dessa profissão. Elas aprovam, acham bonito o que eu faço”. A relação de  paz com o corpo é herança da infância e parte da adolescência, vividas  em Carnaíba, sertão pernambucano. “Quando me via sem roupa, numa réstia  d’água, gostava de me admirar. Não tinha maldade nenhuma nisso”.
Após  passar o fim da adolescência em Salvador, onde morou por quatro anos,  Vera foi convidada a se mudar para a capital paulistana, em 1966, por  sua experiência como modelo vivo da Universidade Federal da Bahia  (UFBA). Ao longo de 52 anos de ofício, Vera se tornou testemunha  privilegiada das mudanças ocorridas no cenário artístico nacional,  especialmente na esfera do ensino. “Antigamente, as obras eram mais  ‘chapadas’, mais acadêmicas. Hoje os desenhos são mais modernos, mas não  importa, acho tudo muito bonito”.
 
          